Friday 25 September 2020

VIAGEM NA CALEDÓNIA - PERSEVERE - (Audiolivro em galego-português)

 


Pilrig road. Um home ainda jovem caminha pola noite sem lua da velha fedegosa. O tempo parece sustar-se, as nuvens que se adivinham no céu param e ficam imóveis. Nom hai mais ninguém na rua, mesmo em qualquer outra rua da velha cidade. O home senta na cea dũa banda do passeio, a que dá pra um parque público. Arregaça as mangas, fica-se ali sentado, a respirar o ar húmido da madrugada ainda noite pecha. Cuida em esperas, em tempos suspensos, em paciência. Uns metros rua abaixo, na direçom do porto de Leith, fica ũa ponte, encol precisamente da Auga de Leith. O lema da cidade, escrito sobre o seu escudo de armas: persevere. Vinte anos hipnotizado por essa visom, vinte anos de aguarda, de perseverança. O retorno, a compreensom do todo.

Do outro lado da rua hai um cemitério, ouvem-se conversas, em tons acougados, entre os seus inquilinos. A lua parece agora furar a camada eterna de nuvens da Velha Fedegosa. O home olha pràs próprias mãos, vê ossos e falanges, intui-se cadáver. Era isto que querias? diz-se a si próprio. Ainda nom estás a falar cos mortos, nem entendes a sua fala caledónia. Em pé, continua a caminhar. Chegado à altura da ponte, ajoelha-se, beijou o escudo do porto, de Leith, aí onde diz persevere. Vê-se a caminhar pola rua adiante, virar à direita, atravessar a rua do Ferry, enfiar por outra rua. Entrar num prédio, desaparecer. Vinte anos se passam entre essa visom e estoutra. Tudo mudou e nada semelha diferente. É hora de voltar prà cidade, antes, de entrar nela, na Velha Fedegosa. Nunca é tarde, diz-se a si próprio segundo bate na porta dum velho andar alto, agora no cor do bairro do castelo, já em Dunedim. Ah, já chegache, era hora, diz-se a si próprio, do lado de dentro do andar. 

Sentado num cadeirom, na sala do andar, aguardo a ser servido um chá. Aguardo. Passam-se alguns minutos, talvez horas, dias, meses e anos. Eras geológicas. Quando o chá chega, já está frio. Quem mo serve tem na face e no corpo tódolos sinais do tempo, rugas e marcas de desapontamentos, ũa tristura como que eterna. Olho em torno de mim, naquela sala. A mobília tamém velha, anterga, de madeira. Rústica, imperfeita. Nos recunchos do tecto, a escuridade agocha cousas insuspeitas, velhas tamém elas. Respiro fundamente. Dou um sorvo, um grolo, ao chá. Vozes da longínqua Índia ecoam dentro de mim, segundo bevo a minha beberagem, que me fora servida. Um recendo a umidade, ũa bolorência que invade a atmosfera da sala, a do meu interior tamém. Hai por dentro de mim os mesmos canelhões do bairro do castelo da rocha, de escadas íngremes, escurecidas, a empatar andares diferentes da mesma cidade, do mesmo corpo. O meu corpo. A velhice espera, persevera, por mim. Os sinos de Sam Giles tocam a morto, ou a prédica, nom entendo de sinos. Um home rua abaixo, já na Canongate, aguilhoa ũa pequena multidom, falando de livros, de palavras que um Deus, ao que parece, dixo. De volta em Sam Giles, a mesma multidom, agora ali, alporiça-se, rejeita a ordem que lhe imponhem. Paus e bolos, pedras, mesmo cadeirinhas voam dentro da devandita igreja, ou catedral dunedina. E eu bebo um outro grolo de chá, indiferente ou divertido ao sino que marcam os sinos dessa igreja. Desço por outras canelhas, sempre ladeirentas, com inumeráveis degraus, mesmo subo por elas, tento pescudar a essência dessa cidade, dessa persoa. De mim mesmo. Quem som eu. Quem é a Velha Fedegosa, Dunedin dos Votadini. Quem som essas gentes, essa mulher que berra, dũa fiestra aberta, gardalú, antes de emborcar ũa vacia de obscenidades, e que houvo enchoupar-me, a mim, home já enchoupado de imundices. Persevere, empate o sol e a iauga de Liz coa pedra do vulcám morto. Alague-se cara o Forz, construa além ũa nova cidade, matematicamente, com geometria exemplar, a ser repetida em inúmeras outras cidades, noutros continentes. 

O som das gaitas enche-me os ouvidos, é sempre a mesma melodia, Caledónia a Maior. Era esta a minha cidade, aquela que um dia desejei estar deserta de todo home? Sentado sempre na minha cadeira percorro os diques de intrusom volcánica, agarimo a sua distinta consistência, leio neles as velhas palavras de poesia galega, que falam de soedade e rexurdimento. Do alto da cadeira de Artur contemplo o Firz do Forze ao longe, a cidade velha, fedegosa, aos meus pés. Nom me cansa rubir estas rochas de lava gélida, as terraças de pedra preta florescida de giestas e fróis amarelas. A cidade aos meus pés. A sala do andar, na espera eterna da eternidade. Agardo por mim mesmo, findando o meu chá. A cunca baleira, nom fica mais chá nela. Alguém vem arrecadá-la, levá-la pra cocinha, som eu mesmo, som eu o meu hóspede, som eu a cidade, as pedras e as fróis, o vulcám petrificado. Tornei-me, porfim, mim próprio.


No comments:

Post a Comment