Leitura do primeiro capítulo do melhor livro galego do ano, “Não há noite tão longa“, de Agustim Fernández Paz, lido pola autor, em galego (ou português da Galiza?).
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Transcripção descastelanizada do texto por Galegomundo.
"Quiçá já não tenha sentido chamar-lhe a minha casa. Há muitos anos que abandonei este fogar com a promessa de não voltar; para mim deveria ser só uma casa alhéia, uma mais deste bairro recluído no passado. Mas, conforme caminho rua arriba e me achego ao número 48, percebo como se me acelera o coração e como se remoinham na cabeça as lembranças de uma infância que queda já tão longe, num turbilhão que mestura voces, imagens, sons, recendos... Por que é a luz do verão, essa luz intensa que fere nos olhos e mitiga o peso dos remorsos, a que acaba por impor-se na memória?
A rua está valeira de gente, fiz bem vindo a esta hora da tardinha. Não desejo falar com nenhum vizinho, se é que ainda queda alguém que me lembre, depois de tanto tempo; não quero ter que dar explicações que nem eu entenderia. Por que marchei? Por que não regressei nunca, nem sequer quando morreu o meu pai? Tão só o passamento de mamá foi capaz de vencer a minha resistência e arrastrar-me outra vez deica esta vila a que jurara não volver, a este lugar que sinto tão alheio como aquela Comala perdida entre a poeira."