Thursday 3 November 2016

O Corvo Branco - Alvaro Cunqueiro



Este corvo branco viu-se no Valedouro hai alguns anos, na Parróquia de Budiam. Todos os da parróquia o vírom, menos o crego, que andava primeiro burlento, pero despois, havendo tantas testes, enrabejava quando lhe vinham coa nova de que se vira o corvo branco em tal terra. O corvo branco nom era branco coma a neve, que era meio amarelo, e andava polas sementeiras, e fugiam-lhe os outros corvos. Os senhoritos de Ferreira de Valedouro, que sempre os houvo ali com escopeta, saírom a caçá-lo, pero nom lhe acertárom.

Hai gente que diz que o corvo nom era tal corvo, senom um tal Pousada, de Gerdiz, prestamista. Uns desconhecidos entrárom na sua casa umha noite e queimárom tódolos papéis e recibos que atopárom. Nom levárom umha peseta. Comérom e bebérom, isso sim. Ao dia seguinte, o Pousada morreu. Dixo-se que um dos que queimaram os papéis fora um cura de perto de Viveiro, e que o fizo por caridade. A gente do país começou a decatar-se de que o corvo branco se via a carom das casas dos que lhe deviam quartos ao Pousada. Um xastre chamado Presas mandou dizer umha misa pola alma do Pousada, e o corvo partiu e nom volveu a ser visto.
-Nom berrava coma os outros corvos, dixo-me um de Muras. Eu nom o ouvim, pro os que o ouvírom, imitavam-no mui bem. “Viiiiinde, viiinde! Chamaria polos quartos que tinha estrados por aí.
-E logo, os quartos ouvem?
-Ouvir, ouvirám ou nom. O caso é que entenderam!

Pousada era coxo, viúvo e sem filhos. Tinha mais dumha dúzia de relógios, de bolso e de pulseira, e sempre levava com ele três ou quatro. Seria pra atender à pontualidade dos juros. Herdou-no umha sobrinha, que estava servindo em Barcelona. Veu recolher a herança acompanhada do seu pretendente, e merendava tódolos dias de Deus péxego em almibre. A sobrinha nom deu creto nengum às novas de que o corvo branco fora o seu tio Pousada.




Sunday 18 September 2016

MEMORIAS DUN NENO LABREGO (III) — O XUDÍO




O XUDIO

Terceiro capítulo da obra do galego Xosé Neira Vilas, «Memórias dum neno labrego»

«Diante ia um home coa cruz. Seguia-o outro co pendom. E despois o estandarte, santos, o cura, velhas que rezavam, rapazes ... que sei eu! Coma todos os anos.
Tocavam os gaiteiros umha marcha. A mesma de sempre. Cada tanto, um home arrimava-lhe o chisqueiro a um foguete de três estalos. Os rapazes corriam trás da canavela, e quando a pilhavam sentiam-se triunfadores, coma se tivessem atopado um tesouro, Queria o fio pra fazer cometas. O sancristám repenicava baixinho as campás. Baixinho pra que a gente atendesse à processom; pra que as velhas rezadoras puidessem passar as doas do rosário e escoitarem-se umhas às outras, fazendo o labor juntas como se fai a sega ou a malha.
Eu rabeava por ir tamém à procura de foguetes, pero nunca me deixavam. O padrinho venha de contar-me a história daquele rapaz que perdeu as maos por colher umha granada sem estalar. E minha nai arretegáva-me contra si. «Reza e mira pròs santos», dizia-me. Som o único na parróquia que vou em todo ao passo da gente grande. Querem que chegue a home antes de tempo. E eu tenho moitas ganas de medrar. Pero coa gana nom abonda. Tenhem que passar anos. Mentres, nom poido divertir-me cos companheiros.
... »

Thursday 2 June 2016

NEGRA SOMBRA - Rosalia de Castro




Quando penso que te foste
negra sombra que me assombras
ao pé dos meus cabeçais
tornas fazendo-me mofa

Quando magino que és ida
no mesmo sol te me amostras
e és a estrela que brilha
e és o vento que zoa

Se cantam, és tu que cantas
se choram, és tu que choras
e és o murmúrio do rio
e és a noite e és a aurora

Em tudo estás e tu és tudo
pra mim e em mim mesma moras
nem me abandonarás nunca
sombra que sempre me assombras


Em "Folhas novas", de Rosalia de Castro


Sunday 24 April 2016

Manuel Maria - Terra Chã & Galiza

Terra Chã 


A Terra Chã somentes é:
um povo aqui, outro acolá
mil árvores, monte raso
um céu chumbo e trágico
em que andam as aves a voar.


O resto é soedá.




Galiza


Galiza docemente
está olhando prò mar:
tem vales e montanhas
e terras para lavrar!

Tem portos, marinheiros
cidades e labregos
cargados de trabalhos
cargados de trafegos!

Galiza é umha nai
velhinha, sonhadora:
na voz da gaita ri
na voz da gaita chora!

Galiza é o que vemos:
a terra, o mar, o vento ...
Pro há outra Galiza
que vai no sentimento!

A Galiza somos nós:
a gente e mai-la fala
Se buscas a Galiza
en ti tens que atopá-la!


Sunday 28 February 2016

ROSALIA DE CASTRO - CANTARES GALEGOS

Hás de cantar, que che hei de dar zonchos,
Hás de cantar, que che hei de dar moitos.


Hás de cantar
meninha gaiteira
Hás de cantar
que morro de pena.

Canta, meninha
na beira da fonte
Canta, darei-che
bolinhos do pote.

Canta, meninha,
com brando compass’
darei-che uma proia
da pedra do lar.

Papinhas com leite
tamém che darei
sopinhas com vinho
torrijas com mel.

Patacas assadas
com sal e vinagre
que sabem a nozes
Que ricas que sabem!

Que feira, rapaza
se cantas, faremos!
Festinha por fora,
festinha por dentro.

Canta, se queres
rapaza do demo
Canta, se queres
hei dar-che um mantelo.

Canta, se queres
na língua que eu falo
Hei dar-che um mantelo
hei dar-che um refaixo.

Co som da gaitinha
co som da pandeira
che peço que cantes
rapaza morena.

Co som da gaitinha
co som do tambor
che peço que cantes
meninha, por Deôs.



GLOSSÁRIO

Zoncho: castanha cozida coa casca.

Moitos: muitos (o ditongo “oi“ por “ui“ é mui frequente em galego).

Proia: bolo grande de pam feito com trigo ou milho.

Pataca: batata.

Refaixo: peça interior de abrigo que levavam as mulheres por debaixo da saia e que tinha a forma desta.

Deôs: Deus.