Tuesday 4 April 2017

O PRESIDENTE DO CONSELHO (I) - Relato galego de JL Valinha



O meu pai trabalhou muitos anos na Corunha. A família dele vinha sendo de uma aldeia ao lado de Sárria, uns quarenta quilómetros a Sul-Este de Lugo, mas ele foi logo, com sua mãe e irmãos, quanda o meu avô Ramiro, que exerceu vários anos em Sada, pois era médico de várias aldeias na redondeza das Marinhas da ria dessa povoaçom.

Do meu avô Ramiro lembram-me muitas cousas, pois eu adoitava ir quanda ele às aldeias, onde muitos dos seus doentes marinhãos já me conheciam,  e me chamavam “o doutor pequeno”, pois eu costumava ajudá-lo a carregar o material sanitário que levava na sua mala de médico. E eu gostava muito de falar com ele polo caminho, pois ainda que vivia connosco na Corunha, iamos no eléctrico até Sada, e depois iamos de automóvel polas aldeias à procura dos doentes…

Houvo um dia que lhe encontrei um velho jornal numa mala, onde na primeira página aparecia a fotografia dum tipo que já daquela me era familiar. E perguntei por ele ao meu avô:
- Quem é esse home do jornal, o da barba?
- Ai filho  –sempre me chamava assim, antes que polo nome - já me andache na mala! Bem che dixem que era para ma levares, nom para remexeres nela!
- Eu…
- Bem sei, home, bem sei, era-che por rir, cousas dum cativinho! Nom hai cuidado, só que me andes com jeitinho c’as ferramentas que aí vam….
- Mas, avô, quem era…?
- Ufff, esse tipo era, esse tipo é… hoje é… olha filho, deves-me guardar o segredo porque isto nom sei se o sabe muita gente, se quadra nom o sabe ninguém, nom sendo eu e… agora há-lo saber tu…

Chamava-me a atençom o meu avô sempre a usar o tu, o seu pronome tu, da sua fala natal, quando a falar com os doentes aos que por tal tratava, mormente meninhos ou rapazes, sempre empregava o ti, pronome habitual por aquelas bandas corunhesas… nom sendo os desconhecidos, que o meu avô era home bem educado e nom descuidava a cortesia do vostede, ou ainda, para os mais velhos ou anciãos, o tratamento por vós, que ainda era frequente nessas zonas da Galiza até hai bem pouco, e que, mesmo, lhe prodigavam a ele os mais velhos daquelas bisbarras, além do mais frequente de senhor doutor…

- Eu nom lho digo a ninguém, juro-cho, -dixem eu estendendo-lhe as mãos para nom ser apanhado em mentira ou falsificaçom do juramento-
- Quando eu morrer, e estiver já bem em baixo da terra, podes escrever um livro com este conto…
- E logo, isso que me has contar, é verdade ou nom?
- É, filho, é… - e ficou sério, a pensar, enquanto detinha o carro à beira da estrada, como se o esforço em lembrar aquela história o fosse distrair na sua conduçom.
E continuou:
- Espera, no eléctrico, à volta, hei-che contar polo miúdo. Agora é tarde e temos ainda que visitar uma mulher toda mirradinha, ela julga que de tristura porque lhe marchou o home, mas é pola deficiente alimentaçom… tem que termar de quatro filhos e tira-o da boca para lhe-lo dar, a eles…

Meu avô sabia uma cheia de cantigas que lhe ensinavam as gentes nas aldeias quando o convidavam a algum vinho, que ele já na casa apontava num caderninho que me nom deixava tocar nele… tinha bom ouvido para a música, e uma memória prodigiosa, mas nunca chegou a aprender nem solfejo, nem a tocar algum instrumento, nom tinha tempo, dizia ele, ainda que tinha era aptidom, disso nom tenho nenguma dúvida…

Minha mãe como era probe
Nom tinha pam pra me dar-e,
Encheu-me a cara de bicos
E arrebentou a chorar-e…
Ailalelo…

Cantava, e a seguir sempre me dizia a mesma parrafada…
- Ai, filho, que nunca me passes a fame, nem as tristuras que eu vim nos meninhos destas terras,… porque, se che conto as vidas deles, choras…
Anos despois, quando ainda havia eléctrico na Corunha e eu ia com meu pai, revivia aqueles dias de verão em que acompanhava o meu avô na sua vida de doutor…

Porque tirariam o eléctrico da Corunha?