Friday 25 September 2020

VIAGEM NA CALEDÓNIA - LIMIAR - (Audiolivro em galego-português)





Eu havia já muito tempo que conhecia a Caledónia, seica demasiado. Mas a razom de decidir fazer ũa nova visita a essa terra de gaitas e uísque foi, compre-me reconhecê-lo, de jorne negativo: a improbabilidade este ano de eu sair desta Ilha de Alba, em que moro hai ja muito tempo, seica demasiado. A argalhada do conavírus, Covid-dazanove ou como caralho o quigerem chamar ― esse vírus imaginário argalhado hai algum tempo, seica nom demasiado, por gente de duvidosa moralidade ― fazia-me arriscada qualquer saída prò continente. Nom era questom de ficar detido ou arrestado num aeroporto e a passar o demo sabe quê mais apertarrabos. Era, já que logo, o tempo da tropical Escócia, ou Caledónia, coma eu e os romanos a chamamos. Botei ũa olhada ao meu mapa impermeável das Terroutas — Highlands, na língua daqui — que parecia que os anos nom passaram por ele, e aginha como que ũa morrinha e saudade de rexos e outos pinheiros caledónios, montes e breixos agalegados e mais picadas de mosquito e carrachas a sugarem-me o sangue, ũa morrinha de tudo isso, alagou o meu coraçom mancado. Era agora ou nunca. Eu passara as férias da última década toda em países de latitudes e climas quentes, de modo a recuperar a minha teixa alma das brêtemas e choivas da Ilha de Alba. Mas sempre cobiçara retornar à Caledónia, passar ali um bom anaco do vrão — se tal puider ser chamada ũa tempada de choivas e friagens — a desfrutar as longas serães, como quando eu era mais moço e recém-chegado doutra ilha. Dali da Caledónia, assi matinava eu já, haveria revisitar o passado, mesmo dar a volta ao tempo, e voltar a escrever, num andar ou quarto qualquer, sentado à fiestra com vistas ao imóvel céu de chumbo caledónio, à sua imobilidade e frieza. A insónia das gaivotas, eu já escrevera ũa vez, seica em língua saxã, cos seus guinchos e voos arredondados no ar da madrugada, voltaria a inspirar a mourém da minha alma, como em tempos mais recuados. 

Cidades celtigas de pedra grisalha e teitos da mesma deslavada cor escura, onde a choiva nunca está longe do agora, fragas de carvalhos e pinheiros e urzes e breixos, onde as cores dum raro céu azul e sol fulgente já testemunhárom dos meus passos. Ferzes ou rias caledónias, onde o mar do Norte abala e devala em mainas e rítmicas vagas da mesma cor do céu. Aprontai-vos prò meu retorno, ca já estou a caminho. Lembrades-vos da primeira vez, da nossa primeira vez? Eu sim. Já passou muito tempo daquela, e eu era, ou assi me via eu, apenas um rapaz. 

Hai daquilo vinte anos.


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